sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Palestina - Carta do Presidente de Venezuela, Hugo Chávez, ao Secretario Geral das Nações Unidas



Sua Excelência
Ban Ki-Moon
Secretario Geral
Organização das Nações Unidas

Senhor Secretário Geral:

Distintos representantes dos povos de mundo:

Dirijo estas palavras á Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, a este grande fórum onde estão representados todos os povos da terra, para ratificar, neste dia e neste cenário, o total apoio da Venezuela ao reconhecimento do Estado Palestino: ao direito da Palestina em converter-se em um país livre, soberano e independente; Trata-se de um ato de justiça histórico com um povo que leva em si, desde sempre, toda a dor e o sofrimento do mundo.

O grande filósofo francês Gilles Deleuze, em seu memorável escrito; A grandeza de Arafat, diz com acento da verdade: A causa palestina é antes de tudo o conjunto de injustiças que este povo tem padecido e continua padecendo. E também é, me atrevo a agregar, uma permanente e inquebrantável vontade de resistência que já está inscrita na memória heróica da condição humana. Vontade de resistência que nasce do mais profundo amor pela terra. Mahmud Daewish, voz infinita da Palestina possível, nos fala a partir do sentimento e da consciência deste amor: “Não necessitamos a recordação/porque em nós está o Monte Carmelo/ e em nossas pálpebras está a erva da Galiléia. Não digas: se corrêssemos até meu país como o rio!/Não o digas!/Porque estamos na carne de nosso país/ e ele está em nós”.

Contra quem sustenta falazmente que o ocorrido ao povo palestino não é um genocídio, o mesmo Deleuze sustenta com implacável lucidez: “Em todos os casos se trata de fazer como se o povo palestino não somente não pudesse existir, senão que jamais tenha existido. É como dizer, o grau zero de genocídio: decretar que um povo não existe, negar-lhe o direito á existência”.

A propósito, quanta razão tem o grande escritor espanhol Juan Goytisolo quando afirma contundentemente: “A promessa bíblica da terra da Judéia e Samaria às tribos de Israel não é um contrato de propriedade avaliado diante de um cartório que autoriza a expropriar de seu solo aqueles que nasceram e vivem nele. Por isso mesmo, a resolução do conflito do Oriente Médio passa, necessariamente, por fazer justiça ao povo palestino, este é o único caminho para conquistar a paz”.

Dói e indigna que aqueles que padeceram um dos piores genocídios da história se tenham convertido em verdugos do povo palestino: dói e indigna que a herança do Holocausto seja a Nakba. E indigna, a secas, que o sionismo siga fazendo uso da chantagem do anti-semitismo contra aqueles que se opõem a seus atropelos e a seus crimes. Israel tem instrumentalizado e instrumentaliza, descaradamente e com vileza, a memória das vítimas. E o faz para atuar, com total impunidade, contra a Palestina. Ademais, não é ocioso precisar que o anti-semitismo é uma miséria ocidental, européia, da qual participam os árabes. Não esqueçamos, ademais, que é o povo semita palestino aquele que padece a limpeza étnica praticada pelo estado colonialista israelense.

Quero que se me entenda: uma coisa é rechaçar o anti-semitismo, e outra muito diferente aceitar passivamente que a barbárie sionista lhe imponha um regime de apartheid ao povo palestino. Desde um ponto de vista ético, quem rechaça o primeiro tem que condenar ao segundo.

Uma digressão necessária: é francamente abusivo confundir sionismo com judaísmo; não poucas vozes intelectuais judaicas, como as de Albert Einstein e Erich Fromm, se encarregaram de nos recordar através do tempo. E, hoje por hoje, é cada vez mais numerosa a cidadania consciente que, no próprio Israel, se opõem abertamente ao sionismo e suas práticas terroristas e criminosas.

Há que dizê-lo com todas suas letras: o sionismo, como visão do mundo, é absolutamente racista. Estas palavras de Golda Meir, em seu aterrador cinismo, são prova incontestáveis: “Como vamos devolver os territórios ocupados? Não há ninguém a quem devolvê-los. Não há tal coisa chamada palestinos. Não é como se pensa que existia um povo chamado palestino, que se considera ele mesmo como palestino e que nós chegamos, os expulsamos e nos apropriamos de seu país. Eles não existiam”.

Necessário é fazer memória: desde o final do século XIX, o sionismo planejou o regresso do povo judeu à Palestina e a criação de um Estado nacional próprio. Este planejamento era funcional ao colonialismo francês e britânico, como o seria depois ao imperialismo yanqui. O ocidente alentou e apoiou, desde sempre, a ocupação sionista da Palestina pela via militar.

Leia-se e releia-se esse documento que se conhece historicamente como Declaração de Balfour do ano de 1917: o Governo britânico se arrogava a jurisdição de prometer aos judeus um lugar nacional na Palestina, desconhecendo deliberadamente a presença e a vontade de seus habitantes. Há de assinalar que na Terra Santa conviveram em paz, durante séculos, cristãos e muçulmanos, até que o sionismo começou a reivindicá-la como de sua inteira e exclusiva propriedade.

Recordemos que, desde a segunda década do século XX, o sionismo, aproveitando a ocupação colonial britânica da Palestina, começou a desenvolver seu projeto expansionista. Ao concluir a Segunda Guerra Mundial, se exacerbaria a tragédia do povo palestino, consumando-se a expulsão de seu território e, ao mesmo tempo, da história. Em 1947 a detestável e ilegal resolução 181 das Nações Unidas recomenda a divisão da Palestina em um Estado judeu, um Estado árabe e uma zona sob controle internacional (Jerusalém e Belém). Concedeu-se, observe-se que descaramento, 56% do território ao sionismo para a constituição de seu Estado, De fato, esta resolução violava o direito internacional e desconhecia flagrantemente a vontade das grandes maiorias árabes: o direito de autodeterminação dos povos se convertia em letra morta.

Desde 1948 até hoje o Estado sionista tem prosseguido com sua criminosa estratégia contra o povo palestino. Para isso tem contado sempre com um aliado incondicional: os Estados Unidos da América do Norte. E esta incondicionalidade de demonstra através de um fato bem concreto: é Israel quem orienta e fixa a política internacional estadunidense para o Meio Oriente. Com toda razão Edward Said, essa grande consciência palestina e universal, sustenta que qualquer acordo de paz que se construa sobre a aliança com os EEUU será uma aliança que confirme o poder do sionismo, mais que confrontá-lo.

Agora bem: contra o que Israel e os Estados Unidos pretendem fazer crer ao mundo, através das transnacionais da comunicação, o que aconteceu e segue acontecendo na Palestina, digamo-lo com Said, não é um conflito religioso: é um conflito político, de cunho colonial e imperialista; não é um conflito milenar senão contemporâneo; não é um conflito que nasceu no Oriente Médio, senão na Europa.

Qual era e qual segue sendo o miolo do conflito? Privilegia-se a discussão e consideração da segurança de Israel, e para nada a segurança da Palestina. Assim pode corroborar-se na história recente: basta recordar o novo episódio genocida desencadeado por Israel através da operação “Chumbo Fundido” em Gaza.

A segurança da Palestina não pode se reduzir ao simples reconhecimento de um limitado autogoverno e autocontrole policialesco em seus “encraves” da ribeira ocidental do Jordão e na Franja de Gaza, deixando por fora não só a criação do Estado Palestino, sobre as fronteiras anteriores a 1967 e com Jerusalém oriental como sua capital, os direitos de suas nações e sua autodeterminação como povo, senão, também, a compensação e conseqüente retorno à Pátria de 50% de sua população palestina que se encontra dispersa pelo mundo inteiro, tal e como o estabelece a resolução 194.

É incrível que um país (Israel) que deve sua existência a uma resolução da Assembléia Geral, possa ser tão desdenhoso das resoluções que emanam das Nações Unidas, denunciava o padre Miguel D`Escoto quando pedia o fim do massacre contra o povo de Gaza, aos finais de 2008 e princípios de 2009.

Senhor Secretário Geral e distintos representantes dos povos do mundo:

É impossível ignorar a crise das Nações Unidas. Diante desta mesma Assembléia Geral sustentamos, no ano de 2005, que o modelo de Nações Unidas se havia esgotado. O fato de que se tenha postergado o debate sobre a questão palestina, e que se esteja sabotando abertamente, é uma nova confirmação disso.

Há vários dias, Washington vem manifestando que vetará no Conselho de Segurança o que será a resolução majoritária da Assembléia Geral: o reconhecimento da Palestina como membro pleno da ONU. Junto às Nações irmãs que foram a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA), na Declaração de reconhecimento do Estado Palestino, temos deplorado, desde já, que tão justa aspiração possa ser bloqueada por esta via. Como sabemos, o império, neste e em outros casos, pretende impor um duplo standard no cenário mundial: é a dupla moral yanqui que violo o direito internacional na Líbia, porém permite que Israel faça o que lhe dá na gana, convertendo-se assim no principal cúmplice do genocídio palestino em mãos da barbárie sionista. Recordemos umas palavras de Said que colocam o dedo na ferida: “Devido aos interesses de Israel nos Estados Unidos, a política deste país em torno do Oriente Médio é, portanto, israelocêntrica.

Quero finalizar com a voz de Mahmud Darwish em seu memorável poema Sobre esta terra: “Sobre esta terra há algo que merece viver: sobre esta terra está a senhora de terra, a mãe dos começos, a mão dos finais. Se chamava Palestina. Continua chamando Palestina. Senhora: eu mereço, porque tu és minha dama, eu mereço viver”.

Seguirá chamando Palestina: A Palestina viverá e vencerá! Longa vida a Palestina livre, soberana e independente!

Hugo Chávez Frías
Presidente de la República Bolivariana de Venezuela

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