A medida que se acerca o próximo 2 de abril – trigéssimo aniversário da Guerra das Malvinas – a imprensa ocidental propaga notícias sobre supostas “crescentes tensões entre Gran Bretanha e Argentina”. A verdade, porém, é que os britânicos meramente necessitam reafirmar urbi et orbi sua soberanía sobre aquelas ilhas desoladas, varridas pelo vento, ricas em petróleo e estratégicamente localizadas no Atlântico Sul.
De forma que quando Reino Unido despachou seu destroyer mais potente – o moderníssimo ‘HMS Dauntless’ – e um submarino nuclear às Malvinas, seguramente aguardavam ansiosamente a previsível reação da presidente argentina Cristina Fernández de Kirchner. Pois enquanto que ao longo das últimas três décadas os britânicos se dedicaram a construir uma poderosa base militar nuclear nas Malvinas que serve aos interesses estratégicos do Reino Unido e EUA na região, como castigo por ter se atrevido a recuperar essas Ilhas em 1982, foi imposta à Argentina uma “democracia” de corte estadunidense controlada pelo poder do dinheiro.
Portanto, desde que a “democracia” regressou à Argentina em 1983, seus sucessivos governos foram de mal a pior, afundando o país cada vez mais. Desde o presidente Raúl Alfonsín (que conduziu o país diretamente a um colapso hiperinflacionário em 1989), passando pelos presidentes Carlos Menem (quem com a ajuda do seu ministro de Relações Exteriores, logo da Economia e membro da Comissão Trilateral, Domingo Cavallo, desmantelou a economia e as Forças Armadas); Fernando de la Rúa (quem em 2001 arrastou o país às cegas ao pior colapso financeiro de sua história, e mais tarde trouxe de volta Cavallo!); Eduardo Duhalde; até Néstor Kirchner e sua hoje sucessora-esposa eleita “a dedo” pelo mesmo: Cristina Fernández de Kirchner. Na verdade, os Kirchner simpatizam tanto com os grupos terroristas dos anos setenta cuja violência preparou o caminho para o golpe militar de 1976, que muitos de seus membros hoje ocupam cargos relevantes em seu governo.
Estes sucessivos governos da “democracia” têm algo em comum: mantiveram no alto duas bandeiras chaves em total alinhamento com os interesses e objetivos dos Donos do Poder Global:
1) JAMAIS investigaram a origem da ilegítima e gigantesca dívida externa argentina contraída sob o regime cívico-militar que usurpou o poder entre 1976 e 1983. Dita dívida deveria ser repudiada como “Dívida Odiosa” segundo as leis internacionais; e, para assegurar-se que o que isto jamais acontecesse e que os Donos do Poder Global mantivessem seu controle integral sobre o país,
2) DESMANTELAR SUAS FORÇAS ARMADAS – Isto foi quase plenamente conseguido; a tal ponto que hoje a credibilidade e capacidade dissuasiva militar argentina é nula; não só ante Gran Bretanha (e EUA) contra quem lutamos em 1982, senão perante vizinhos tradicionalmente aliados com Gran Bretanha e EUA, como Brasil e Chile, que sim mantêm forças armadas modernas, profissionais e críveis.
Quando a presidenta Kirchner falou em cadeia nacional de rádio e televisão para anunciar o que seu Governo fará perante a renovada agressão colonialista britânica, ela disse que:
1) Argentina denunciará o “colonialismo” britânico perante a ONU (…os ingleses são colonialistas há uns cinco séculos);
2) O Governo argentino divulgará o conteúdo do “Informe Rattenbach” redigido há quase trinta anos por um general falecido, onde se demonstra que a junta militar liderada pelo General Leopoldo Galtieri cometeu um acúmulo de erros políticos, diplomáticos, militares e estratégicos (como se nós não soubéssemos disto!);
3) Argentina jamais, jamais contemplará ações militares contra o Reino Unido nas Malvinas (como se tivéssemos capacidade para isto!).
Tudo isto soou como música para os ouvídos britânicos.
Mas, por quê tanto ruído e justo agora?
Do que se trata – e sempre se tratou – é de preservar quatro objetivos geopolíticos angloestadunidenses:
1) Preservar seu poderio geopolítico sobre o Atlântico Sul;
2) Projetar o poderio angloestadunidense sobre a Antártida, onde as reinvidicações territoriais do Reino Unido e EUA se sobrepõe com semelhanças às da Argentina (que práticamente se retiraram do Continente Branco), e Chile (que não constituem problema por ser um tradicional aliado do Reino Unido);
3) Projetar o poderio estadunidense e britânico sobre a inmensamente rica e perigosamente sub-povoada Patagônia Argentina, cujas costas estão viradas para as Ilhas Malvinas, e último mas não menos importante;
4) Petróleo!
O petróleo é sempre um fator chave para as “democracias ocidentais”, que seus obedientes meios de comunicação globais procuram ocultar. Seja na Líbia, Iraque, Irã, Afeganistão, Venezuela ou, no Atlântico Sul. Recentes estimativas indicam que na plataforma continental sob o Mar Argentino, de cujas águas relativamente pouco profundas sobresaem as Ilhas Malvinas, existem reservas de aproximadamente 8,3 bilhões de barris de petróleo. Uma cifra três vezes superior às reservas britânicas, colocando-as em 15º lugar nas reservas petrolíferas mundiais.
Não é então de surpreender os milhares de milhões de libras esterlinas e dólares que estão sendo canalizados para explorar o petróleo malvinense, tão importante em momentos de crescentes tensões no Oriente Médio e no Golfo Pérsico.
Gigantescas petroleiras como Hess, Noble e Murphy (EUA), Cairn Energy, Premier Oil (Reino Unido) e, Anadarko Oil de Houston, estão operando a todo vapor. Anadarko é um caso interessante: conta em seu diretório com o General Kevin Chilton (ex-comandante militar do Comando Estratégico Militar dos EUA) e o ex-funcionário do Pentágono, Preston M. Geren III.
Por sua vez, a corporação Rockhopper UK Exploration, anunciou que encontrou reservas estimadas em aproximadamente 700 milhões de barris próximos das costas malvinenses.
Dizem alguns observadores agudos, residentes nas costas patagônicas argentinas, que após os “anúncios” de Cristina Fernández de Kirchner na terça-feira 7 de fevereiro, quando o vento sopra desde as Ilhas Malvinas quase podem ser ouvidas as risadas britânicas.
Na verdade, o mais fundamental sentido comúm geopolítico indica que manter forças armadas críveis resulta absolutamente vital para todo país que se respeite a si mesmo. Não para atacar a ninguém – isso podemos deixar para os EUA, Reino Unido, a OTAN e Israel, que o fazem permanentemente – senão como defesa e dissuassão perante, precisamente, esses mesmos países. No caso da Argentina, Inglaterra têm maus antecedentes já que – ao longo dos últimos trezentos anos – tratou repetidamente de invadir a esse país.
Cristina Fernández de Kirchner fez o que todos os políticos argentinos fazem com inusitado talento: ou seja, nada. Pois os “anúncios” de Kirchner da terça-feira passada não só foram aplaudidos pelo seu próprio partido, senão pela quase totalidade da mal chamada “oposição”. Claramente, ela não é a única responsável. Lá nos anos de 1990, sob o governos do presidente Carlos Menem, a Argentina aceitou o que muitos nesse país consideram seu “Tratado de Versalles”, em alusão ao similar tratado devastador imposto em 1919 sobre uma derrotada Alemanha pelo Reino Unido, Estados Unidos e França.
Domingo Cavallo, ministro de Relações Exteriores de Menem, negociou a rendição incondicional argentina perante Gran Bretanha, aceitando um tratado convertido em Lei No. 24.184 por quase unanimidade no Congresso argentino em 11 de dizembro de 1990. Mediante o mesmo, Argentina abria sua economia para a desregulamentação, privatização e endividamento irrestritos, e desmantelava suas Forças Armadas, especialmente na crítica zona patagônica. Pouco tempo depois, aceitaram tratados similares com EUA e a União Europeia.
A realidade é que hoje a Argentina não é um país soberano, já que a independência nacional presupõe que existe a vontade de ser livres; mesmo com o risco de ir a uma guerra. De fato, o último bastião da soberanía nacional de todo país são suas forças armadas. Não é assim no caso da República Argentina! Pois ao não dispôr de forças armadas críveis, mais que uma nação “soberana e independente”, Argentina é meramente um país “ainda não invadido”.
Se amanhã decidissem em Londres, Washington, Brasília, Santiago, a OTAN ou Tel Aviv levar a cabo alguma intervenção militar contra a Argentina, não haveria absolutamente nada que esse país pudesse fazer para evitá-lo. Os britânicos sabem muito bem que isto é assim. Será por isso que estão rindo tanto.
Adrian Salbuchi, o autor, é analista político, conferencista e comentarista de rádio e TV da Argentina.
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